Os anos se passam, a qualidade dos quadrinhos do chamado mainstreamdecai cada vez mais intensamente - salvo raras exceções -, mas as revistas continuam sendo publicadas mês a mês. Saga após saga, uma novela infinita é arrastada na tentativa de manter seus leitores fiéis comprando.
É certo que os números das vendas caíram, mas até isso reforça a ideia de um mercado sustentado basicamente por um público viciado nele.
As desculpas comumente apontadas pelas editoras para a redução do mercado são a diversificação dos meios de entretenimento, a pirataria, a redução geral do número de pessoas que se interessam por ler qualquer coisa e, claro, crises financeiras.
O fanboy é aquele leitor ansioso, compulsivo, que tem a necessidade de ter todos os números das séries. Ele é até consciente de que sua revista preferida está muito ruim, porém é persistente. Acredita que uma hora vai melhorar.
Esse leitor "sabe" que será publicado um arco muito legal, que ele vai gostar e, para entendê-lo completamente, precisará ter lido tudo aquilo de chato que foi lançado antes.
Ele é cheio de desculpas para seu vício - como todo viciado que se preze.
Alguns fanboys até criam sites que oferecem os scans piratas de quadrinhos, páginas que parecem voltadas para outros leitores viciados. Pelo material disponibilizado e pelo discurso que essas pessoas reproduzem nos textos de apresentação, é fácil notar: esses sites atendem os mesmos anseios do vício dos colecionadores, que, mais do que falta de dinheiro para comprar as revistas, não têm a paciência necessária para aguardar o lançamento das edições no mercado nacional.
Como isso aconteceu? Como um dia acordamos e algo que deveria ser uma diversão, até um acréscimo cultural, virou uma droga?
Com o tempo, as editoras foram refinando esquemas de vendagem, distribuição, formato. São mecanismos que atingem até a parte criativa da produção das histórias, como a necessidade de "megassagas" periódicas para integrar todos os títulos da casa, mortes e renascimentos de personagens, reformulações de superequipes e por aí afora.
Quadrinhos de super-heróis sempre foram um gênero marcado pelo exagero, mas se antes isso estava presente na caracterização dos personagens, nas proezas de que eram capazes e nos conflitos que viviam, agora o que se exacerba é a espetaculização dos acontecimentos de uma revista, por mais dispensáveis que eles se mostrem mais adiante.
As editoras não são menos viciadas do que os leitores, pois se agarram como se estivessem desesperadas a fórmulas que, mesmo sob críticas, dão certo a seus olhos - vide, por exemplo, tudo que foi dito sobre as séries semanais da DC Comics nos últimos anos.
É claro que o leitor tem sua culpa nesse processo. Ele compra mais revistas nesses grandes eventos criados pelas editoras, fica sempre esperando a volta de certos personagens, enfim, referenda a estratégia das casas publicadoras.
Atualmente, apesar da participação significativa dos leitores em fóruns de discussão e coisas do tipo, a maioria parece acatar facilmente o que as editoras fazem com seus personagens, sem deixar de comprar, pelo motivo explicado no começo: a possibilidade de que aquilo seja importante numa trama futura.
No caso do mercado norte-americano, isso é ainda mais difícil, porque as vendas são feitas por encomenda e sem direito de devolução por parte da loja. Portanto, uma boa expectativa sobre uma edição vale mais do que a qualidade da revista, pois o seu sucesso comercial muitas vezes é decidido antes de ela ser lida e julgada pelo público.
Diferentemente de um filme, que pode desandar e ir mal de bilheteria se as pessoas começam a falar mal da história, fazendo o boca a boca depois da estreia, um gibi de super-heróis tira proveito de um boca a boca prévio que nem sempre tem a ver com roteiro, estilo de arte, narrativa ou drama; apenas conteúdo informacional (quem morre/ressuscita, entra/sai da equipe), que vem por meio dos famigerados spoilers.
Tudo isso leva a uma distinção do que é bom e do que é importante numa HQ de super-heróis. E os dois não significam a mesma coisa.
Por exemplo: os sites de reviews norte-americanos são conhecidos por atribuir notas à "acessibilidade" de uma edição, a maneira como ela apresenta os fatos do enredo a um leitor de primeira viagem, mas falam pouco sobre como a trama pode mexer com as emoções desse cada vez mais raro leitor aventureiro.
No fim das contas, aquela substância que viciou tantos leitores alguns anos atrás começa a perder a força, diluindo-se em meio a outras coisas. Até o ponto em que aqueles que ainda consomem suas doses mensais o fazem mais pelo hábito do que pelo vício, sem perceber que já não há mais prazer nas "viagens".